sexta-feira, 3 de abril de 2009

DESPEDIDA


Minha alma nunca foi de puro azul,
ele era o cerne em que depositei as pilastras
para que todas as outras cores explodissem,
mas não me fossem ameaça
é verdade que tudo passa entre os ossos,
sangue e veias
interferindo irremediavelmente
na coordenação motora da vida,
assim como as antenas e a fumaça
que cobrem o céu roubaram-me o sonho e ele decerto nunca mais foi o mesmo.

Por que te revestiste de teu falso gigante
e levantaste o braço como quem ergue a foice?
O poeta era eu, eu o próprio lamento,
eu que tremia de dor à noite e numa prece muda
convocava tua partida inconscientemente...

Na presença das cores que agora me habitam
e de minha alma turquesa sem medidas
não se houve mais tua voz
e o açoite ao qual me infligiste impiedosamente
hoje é sim cicatriz debaixo do pé,
às vezes dói,
mas nunca vejo.
e eis o teu incômodo de lava : não mais terás teu realejo, que um dia te concedi
embebido dos perfumes das mais caras rosas que jorravam
dos meus jardins já sem pele
mas sempre dormirá em ti como um assombro
tudo o que eu fora e que de tão grande
nunca caberia nas palmas de tuas mãos descuidadas.

[Ivana Pascoal]

Nenhum comentário:

Postar um comentário